Crônicas Lunáticas (de um ser cequiano)



Crônicas Lunáticas (de um ser cequiano) #01

DE ASAS ABERTAS

Arruma a mala. Dando o último beijo naqueles que aprendera a amar, tentando romper o invisível fio que os liga e aprisiona as almas num ciclo vicioso da eterna dependência.
O olhar escanea o ambiente familiar.
Fotografando cada detalhe da sala onde o animal de estimação dormia; da cozinha donde roubara comida na surdina da noite; do quintal murado por tijolos de barro onde escondia seus segredos; todas estas imagens minunciosamente armazenadas no HD do subconsciente.
Então as mãos trêmulas agarram a alça da mala.
Na mochila das costas uma pasta de dente; a escova do irmão mais velho por engano; um frasco de perfume barato; uma fotografia da turma do colegial reunida no último dia letivo; dividem espaço com a passagem de ida rumo a capital.
No terminal rodoviário a mãe pergunta esperançosa se não queres desistir. Neste momento percebe que já não poderá se acalentar ao colo dela quando sentir medo do escuro; que não a verá todos os dias; que se apegara demasiado a ideia de que alguém sempre estaria contigo quando precisasse.
O dorso da mão enxuga o olhar e os lábios sentem o sal das lagrimas temperar os fragmentos inseguros da alma iludida pelo amor ideal.
O ônibus chega. Agora é tudo ou nada. Respira fundo sugando todo o ar do planeta para os pulmões amedrontados e, contrariando a taquicardia, solta definitivo a mão da mãe e agarra-se á alça da mala. Sete minutos depois o ônibus sai.
Em revoada, rumo ao desconhecido, abre tuas asas. Voas para longe. Não perdendo o que deixas para trás. A partir de então terá que compreender que não se vale a pena viver de sonhar esquecendo-se do viver, e que só assim, usando o que aprendeu e o que ainda aprenderá, torna-se livre.
Desta forma se faz cequiano.


Faela Maya